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Comunicação Alternativa no TEA: Quando e Como Usar PECS, Libras ou Aplicativos (CAA/AAC)

 Comunicação Alternativa no TEA: Quando e Como Usar PECS, Libras ou Aplicativos (CAA/AAC)


Descubra quando iniciar Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA/AAC) em crianças com TEA e como escolher entre PECS, Libras (Língua Brasileira de Sinais) ou aplicativos.

 Veja passo a passo, exemplos práticos, estratégias de ABA e dicas para aplicar em casa e na escola, com referências científicas.


🌱 O que é Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA) — e por que ela importa?


CAA (ou AAC, em inglês) é o conjunto de estratégias, recursos e tecnologias que substituem (alternativa) ou complementam (aumentativa) a fala para permitir que a criança se comunique agora, enquanto sua linguagem oral está em desenvolvimento.


Para crianças com TEA, a CAA reduz frustração, diminui comportamentos desafiadores e aumenta a participação social, acadêmica e familiar.

Ponto-chave: CAA não atrapalha o desenvolvimento da fala; ao contrário, muitos estudos mostram que pode favorecer a emergência de linguagem vocal quando bem implementada.


🧩 Quando considerar iniciar CAA?


Considere começar o quanto antes se você observar pelo menos alguns destes sinais por várias semanas/meses (sempre com avaliação de profissionais):

  • Pouco ou nenhum uso funcional de palavras/falas para pedir, recusar, comentar.

  • Dependência de choro, puxar pela mão ou comportamentos desafiadores para comunicar necessidades.

  • Dificuldade marcante em iniciar comunicação (não apenas responder).

  • Vocabulário muito restrito para idade ou contexto.

  • Dificuldades motoras orais que limitam a inteligibilidade da fala.

  • Falas que não atendem a objetivos comunicativos (ecolalias sem função, roteiros rígidos).

⚠️ Regra de ouro da ABA: se a comunicação atual não é eficaz (não consegue o que precisa), ensine uma alternativa imediatamente.

A função do comportamento (comunicar algo) precisa de uma forma funcional e acessível.


🧭 Como escolher entre PECS, Libras ou Aplicativos? 

Não existe “melhor” universal; há melhor ajuste para a criança, família e escola. Use estes critérios práticos:

  1. Perfil sensorial e motor:

    • Boa coordenação de mãos e mira? Você pode se beneficiar de PECS ou aplicativos com toque .

    • Coordenação motora fina limitada? Considere cartões maiores, botões grandes no app, ou sinais adaptados.

  2. Ambiente linguístico:

    • Família/escola têm acesso e disposição para aprender Libras? Libras é potente se houver comunidade de falantes ao redor.

    • Escola aceita e entende PECS? Há local para mural/encadernado?

    • dispositivo (tablet/celular) disponível e com uso regulado para fins de comunicação?

  3. Objetivos imediatos:

    • Precisa pedir de forma clara, já? PECS começa por pedidos (mandos) de modo muito concreto.

    • Deseja ampliar comentar, perguntar, narrar? Apps com síntese de voz e Libras com bom repertório de sinais favorecem expansão pragmática.

    • Quer reduzir crises em rotinas? Qualquer modalidade rápida de implementar ajuda, mas PECS é excepcional para “pedir” sem fala.

  4. Manutenção e generalização:

    • A família consegue imprimir e plastificar figuras?

    • O app pode ser usado sem internet e por todos os cuidadores?

    • A rede local (terapeutas/professores) está alinhada com a escolha?

Dica prática: você pode combinar modalidades (ex.: PECS na escola + app em saídas + alguns sinais de Libras para comunicação rápida). O importante é funcionar para a criança.


🖼️ PECS: o que é e como começar (passo a passo)

PECS (Picture Exchange Communication System) é um sistema de troca de figuras em que a criança entrega uma imagem para obter o que deseja. É altamente funcional e centrado no pedido espontâneo.

Fases clássicas do PECS (resumo prático)


  1. Troca física: a criança aprende a entregar um cartão para ganhar o item desejado (com dois adultos apoiando: um de frente, outro como “ajudante físico”).

  2. Distância e persistência: ela passa a ir até o interlocutor e buscar o livro de figuras.

  3. Discriminação de figuras: escolhe a figura correta entre opções (introduza um erro planejado e promova correção sem frustração).

  4. Estrutura de sentença: usa a faixa “Eu quero + [figura]”.

  5. Responder a perguntas: “O que você quer?

  6. Comentários: amplia funções (“Eu vejo…”, “Eu tenho…”, “Eu ouço…”).

Materiais necessários: fichário ou prancha, velcro, cartões com fotos reais/ícones, reforçadores altamente motivadores.


Frequência e contexto: diariamente, em várias rotinas (lanche, brincar, higiene). Generalize para diferentes pessoas e lugares.

ABA na prática: faça sondagem de reforçadores (o que a criança realmente quer naquele momento) e reforce imediatamente cada troca bem-sucedida. Colete dados simples (nº de trocas independentes, ajuda necessária, variedade de figuras).


✋ Libras: quando vale investir e como introduzir


A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é uma língua completa, com gramática própria e potência para promover identidade, autonomia e participação. Para crianças com TEA, Libras pode:

  • Reduzir a frustração quando a fala é pouco inteligível.

  • Ampliar interação social com quem sinaliza.

  • Servir como ponte para linguagem oral e escrita.

Para funcionar bem, é essencial:

  • Compromisso familiar/escolar em aprender sinais básicos (pedir, mais, parar, ajuda, características de preferências).

  • Consistência: usar os sinais em todas as rotinas (refeições, banho, brincadeiras).

  • Modelagem e imitação: adultos sinalizam devagar, no campo visual da criança, e reforçam qualquer tentativa de sinal.

Dica de implementação: crie cartazes de sinais pelos ambientes, filme microvídeos com os sinais mais usados e compartilhe com a rede (pais, avós, professores).


📱 Aplicativos de CAA: recursos que importam (mais que a marca)


Ao escolher um app, foque em recursos pedagógicos:

  • Vocabulário personalizável (fotos da família/itens reais + pictogramas padrão).

  • Síntese de voz clara, botões grandes e organizadores (pastas por temas).

  • Modo offline e exportar/importar perfis (para compartilhar com escola).

  • Crescimento de linguagem: montar frases simples (sujeito-verbo-objeto), pronomes, preposições e comentários (não só pedidos).

  • Relatórios básicos (uso por dia, itens mais selecionados) ajudam a monitorar progresso.

Boas práticas ABA no app:

  • Ensine primeiro funções de alto valor (pedir algo muito motivador).

  • Depois, expanda funções: recusar (“não quero”), pedir ajuda, comentar, cumprimentar.

  • Planeje generalização: use o app em casa, na escola e em passeios com os mesmos símbolos.


🧪 Como ensinar na prática: roteiro de 2 semanas (adaptável)


Semana 1 – Tornar a comunicação acessível e reforçada

  • Dia 1–2: escolha 3 itens altamente desejados. No PECS, prepare 3 cartões. No app, crie 3 botões. Em Libras, selecione 3 sinais.

  • Dia 3–5: 10–15 tentativas curtas/dia. Ajuda física mínima necessária → reforço imediato. Colete dados (independente, com ajuda, recusas).

  • Dia 6–7: varie pessoas/lugares; comece a atrasar 1–2 s o reforço para validar o ato comunicativo (não só o item).

Semana 2 – Discriminar, combinar e generalizar

  • Introduza duas opções (uma preferida, uma neutra) e ensine a escolha correta.

  • Em PECS, inicie sentença “Eu quero + figura”; no app, frases de 2–3 palavras; em Libras, sequência curta (QUERO + BRINCAR).

  • Generalize: outras rotinas (banho, rua, escola).

  • Revisão de dados: aumentou tentativas espontâneas? Diminuiu crise? Mantenha o que funciona, ajuste o que não andou.


🧱 Dificuldades comuns (e como resolver)


  • “Meu filho só pede comida.”
    Ótimo começo! Depois de consolidar pedidos, ensine funções novas: ajuda, pausa, mais, acabou, dores/sensações e comentários (“gosto”, “não gosto”).

  • “Perde o interesse nas figuras.”
    Atualize reforçadores, troque fotos por pictos (ou vice-versa), aumente contraste, reduza número de opções por tentativa.

  • “Só usa com a terapeuta.”
    Falta generalização. Treine pais e professores, leve o recurso para todos os ambientes, e reforce em cada contexto.

  • “Tenho medo de o recurso substituir a fala.”
    Evidência aponta que CAA não impede a fala; apoia o desenvolvimento comunicativo. Siga modelagem vocal junto da CAA.


👨‍👩‍👧‍👦 Parceria família-escola-terapeutas: o que alinhar


  • Vocabulário nuclear comum (palavras que a criança mais usa).

  • Regras de uso do dispositivo/PECS: sempre acessível.

  • Registro simples de dados (tabela: data, contexto, função, ajuda, sucesso).

  • Reuniões curtas quinzenais para revisar avanços e ajustar metas.

  • Treino de cuidadores: 20–30 min de prática supervisionada rendem muito.


🧠 ABA na comunicação: princípios que não podem faltar

 
  • Análise funcional: qual função a criança busca (pedir, fugir, atenção, sensorial)? Ensine uma forma comunicativa equivalente.

  • Reforçamento diferencial: reforce a comunicação funcional e minimize acesso quando vier por choro/autoagressão (sem ignorar necessidades).

  • Modelagem + encadeamento: quebre a habilidade em passos, ajude no mínimo necessário e fade a ajuda (diminuir gradualmente o nível de ajuda que o adulto oferece à criança, até que ela consiga executar a ação sozinha)

  • Generalização planejada: novas pessoas, lugares, horários, materiais.

  • Tom afetivo positivo: comunicação precisa ser rápida, eficaz e gratificante.


🧰 Kit prático de baixo custo


✅ Checklist rápido para saber se sua CAA está “funcionando”


  • A criança inicia comunicação sem ser sempre solicitada.

  • O número de crises por frustração diminui.

  • Novas pessoas conseguem entender a criança.

  • O repertório sai de pedidos para outras funções (comentar, perguntar, recusar).

  • Dados simples mostram progresso semanal.


📚 Referências e leituras recomendadas

  • ASHA – Associação Americana de Fala, Linguagem e Audição. Portal de Práticas de Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA).

  • Bondy, A., & Frost, L. (2001). O Sistema de Comunicação por Troca de Imagens (PECS): princípios e fases.

  • Ganz, JB, et al. (2012). Uma meta-análise de estudos de caso único sobre CAA com indivíduos com transtornos do espectro autista.

  • Preston, D., & Carter, M. (2009/2010). Uma revisão da eficácia do PECS para crianças com transtorno do espectro autista.

  • TEACCH/Structured Teaching. Estruturação visual para TEA e comunicação funcional.

  • Libras (Língua Brasileira de Sinais). Materiais introdutórios e dicionários visuais para famílias e escolas.

Observação: referências listadas para aprofundamento; procure apoio de fonoaudiólogos(as), analistas do comportamento (ABA) e professores bilíngues de Libras para personalizar o plano.


🔚 Conclusão: comunicação que liberta

Comunicação não é luxo; é direito e necessidade básica. Em crianças com TEA, começar cedo com PECS, Libras ou aplicativos — e manter o uso consistente em casa e na escola — transforma comportamento, participação e autoestima.

Seja qual for a modalidade escolhida, siga três pilares:
funcionalidade, acessibilidade e alegria ao comunicar.

Quando a criança percebe que suas mensagens funcionam, ela quer comunicar cada vez mais — e esse é o melhor indicador de que você está no caminho certo.


Foto de Mikhail Nilov: https://www.pexels.com/pt-br/foto/sentado-crianca-filho-infancia-8654129/

Foto de Pavel Danilyuk: https://www.pexels.com/pt-br/foto/fofo-bonitinho-escola-diversao-8422142/

Foto de Mikhail Nilov: https://www.pexels.com/pt-br/foto/menina-garota-moca-sentado-8653554/

Foto de Julia M Cameron: https://www.pexels.com/pt-br/foto/mesa-balcao-sentado-comprimido-4145041/

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